Em 2016 a atriz Jada Pinkett Smith fez um apelo no Facebook sobre racismo e lançou a hashtag #OscarsSoWhite que viralizou, chamando a atenção para o problema gritante da falta de diversidade em Hollywood.
Cheryl Boone Isaacs, negra e presidente da academia desde 2013, logo anunciou mudanças radicais na política de filiação da organização. A reivindicação ganhou mais e mais adeptos e o resultado são filmes como o Pantera Negra que já falamos aqui no Blog e agora o Infiltrado na Klan (que em sua estreia mundial se tornou a melhor estreia do diretor Spike Lee e lucrou U$10,8 mi).
Falaremos sobre o filme e como foi o processo criativo da figurinista Marci Rodgers.
Baseado na história real de Ron Stallworth, narrada em seu livro lançado em 2014, o filme Infiltrado na Klan (originalmente BlacKkKlansman) chegou às telas dos cinemas brasileiros em novembro de 2018, mostrando como um policial negro conseguiu se infiltrar nas reuniões da Ku Klux Klan (KKK), por isso o nome original do filme - BlacKKKlansman - tem os 3 Ks da Ku Klux Klan, captou?
Ron Stallworth foi o primeiro policial afro-americano em Colorado Springs nos anos de 1970 e logo de cara já fez história. Como visto no trailer oficial (antes de ler o texto é legal ver esse trailer oficial) você vai entender que o grupo de supremacia branca Ku Klux Klan recrutava seus membros por anúncios nos jornais, e Ron (interpretado pelo ator John David Washington - filho de Denzel Washington) se aventurou no telefone ao se passar por um homem branco conversando diretamente com o líder David Duke. Só que Ron não poderia participar das reuniões da KKK já que era negro, então ele chama seu parceiro de trabalho, o policial Flip Zimmerman (interpretado por Adam Driver), para ir às reuniões se passando por Ron e descobrir o próximo ataque. Detalhe importante Flip é judeu e a KKK também odiava os judeus, ou seja, se eles fossem descobertos seria um grande problema, ainda bem que não existia Facebook naquela época...
O filme mostra que o racismo não é de hoje com trechos de: E o vento levou (1939, dirigido por Victor Fleming e George Cukor), que mostra a escravidão como algo normal apoiada pelos escravos, e O nascimento de uma nação (1915, de D. W. Griffith), com os negros sendo ignorantes e submissos, além de mostrar a Ku Klux Klan como algo positivo e heróico.
Outro trecho importante do filme mostra o protesto de Charlottesville em 2017. O motivo foi o anúncio da retirada da estátua do general confederado Robert E. Lee, visto como um herói pela extrema-direita durante a Guerra Civil norte-americana, em que os estados confederados do sul lutavam por independência para impedir o fim da escravidão. Depois do anúncio, a supremacia branca se organizou em uma marcha com tochas e cartazes com saudações nazistas, discursos preconceituosas contra judeus, negros, homossexuais, imigrantes. Isso foi um aquecimento para o protesto contra a retirada da estátua, como forma de unir a direita, resultando em caos pelas ruas, pessoas feridas e na morte de Heather Heyer (ativista de direitos civis que estava protestando contra a extrema-direita).
O diretor Spike Lee ficou tão comovido com o protesto que trocou o final do filme depois de ver as cenas na televisão, e conta durante a apresentação do filme no Festival de Cannes: “O filme tinha outro final, mas liguei a televisão e vi na CNN o atropelamento em Charlottesville. Sabia que tinha que contá-lo. Falei com a mãe de Heather Heyer, e ela me deu sua bênção para que aparecesse no filme”.
Nesse mesmo evento Spike Lee ainda mostrou ser contra o presidente Donald Trump, que não tomou nenhuma providência contra os envolvidos da extrema-direita, e foi bem direto quando chamou Trump de “filho da puta”. Além disso o filme faz uma comparação entre o discurso de Trump após ser eleito, com a fala “a partir de hoje, será sempre America First” (estratégias do governo dos Estados Unidos para beneficiar o país e aumentar sua influência no restante do mundo), que é reproduzida como “América primeiro” pelo líder da Ku Klux Klan, David Duke no filme. Uau!
Produzido por Jordan Peele (vencedor do Oscar pelo filme sobre racismo Corra!) e dirigido por Spike Lee, o filme já ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes em 2018 e foi aplaudido por seis minutos depois de sua exibição. Os atores: Topher Grace (Homem-Aranha 3), Laura Harrier (Homem-Aranha: De Volta ao Lar) e Corey Hawkins (Kong: A Ilha da Caveira) completam um elenco não tão conhecido, mas pela boa atuação podem garantir mais prêmios para o longa.
O figurino foi assinado por Marci Rodgers, parceira de longa data de Spike Lee. Marci já trabalhou com o diretor no musical Chi-Raq (2015), que fala sobre a violência armada e a exclusão dos negros, com uma junção entre Chicago e Iraque no nome. Eles continuaram essa parceria na série Ela Quer Tudo, para a Netflix. E para trabalhar com Spike Lee, a figurinista teve que fazer uma pesquisa profunda para retratar os anos 70 e atender o gosto estético apurado do diretor.
A figurinista fez a pesquisa histórica para o figurino no Centro de Pesquisa Moorland-Spingarn da Universidade Howard, e lá conseguiu informações sobre Kwame Ture (ativista negro do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970) e sobre a comunidade afro-americana durante os anos setenta.
Como referência ela leu revistas norte-americanas dedicadas ao público afro descendente: "Eu li pilhas de revistas EBONY e Jet arquivadas e visitei o Arquivo Nacional em D.C. para me informar sobre o sentimento expressivo e a moda pós-movimento dos direitos civis", conta em entrevista para a Universidade Howard, onde estudou.
A personagem Patrice (interpretada por Laura Harrier) foi inspirada em duas líderes do movimento negro Black Power: Kathleen Cleaver, ex-integrante dos Panteras Negras e Angela Davis, ativista política e feminista.
Atenção para a atriz Laura Harrier que é também modelo e estrelou páginas da Vogue Arábia, Young Hollywood da Teen Vogue, do The Sunday Times Style, da edição de cinema da Crash Magazine da Tidal Mag. Ela também está nas páginas de setembro da Vanity Fair.
A figurinista contou ao site Fashionista que teve como referência algumas fotos das duas ativistas nos anos de 1970 e elas usavam blusas escuras de gola alta, casacos compridos, botas até o joelho e os cabelos eram naturais como o da personagem.
A jaqueta de couro que ela usa quando conhece Ron é vintage, mas as outras peças foram feitas pela equipe. “[Patrice] usa preto porque era seu uniforme [...]”, diz Rodgers, ela também usou diferentes tecidos pretos para dar dimensão à Patrice. A gente sabe que o preto é uma cor difícil para trabalhar em figurino, porque ele chapa então a figurinista, sabendo disso, usa os tecidos pretos com textura que aparecem melhor na câmera.
O personagem de Ron foi baseado nele mesmo, já que seu próprio livro foi uma das referências e ele ainda conversou com a figurinista. Ela olhou em sua pesquisa para criar um guarda-roupa com cores vivas e texturas que você quase pudesse sentir pela tela do cinema. As roupas se destacavam entre os tons de terra da época, como: camisa de veludo em tons de pedras preciosas, camisa de seda, jaqueta de camurça, blusa com gola alta e colete de camurça. Para ele se diferenciar no meio dos outros policiais e por ser o principal, ela disse: “Eu queria que ele tivesse os figurinos mais estilizados”.
Na cena que Ron tem que ser segurança de uma reunião de David Duke, ele não se veste com terno e gravata, e acaba se destacando ainda mais de camisa e calça jeans.
As roupas para os atores principais e para os figurantes foram parte compradas e parte alugadas em Los Angeles, Filadélfia e Nova Iorque, onde foram as filmagens. Vocês podem ver que o figurino é cheio de camisas xadrez (1), blusas com gola alta (2), ponchos (3), coletes (4), camisas com golas pontudas (5), jaquetas de camurça (6), de couro (7) e jeans (8).
Uma coisa que a figurinista falou que queria deixar claro é que todos os personagens fossem facilmente identificáveis à partir de seus figurinos. Por isso trabalhou com paletas de cores e estilos diferentes para cada personagem.
As roupas usadas pelos membros da Ku Klux Klan também surgiram por meio de muita pesquisa, o que, segundo Rodgers, nem sempre foi fácil. "Eu tinha um conjunto separado de informações para a organização e eu apenas estudei as fotos", diz Rodgers. “Eu tentei, obviamente, remover tanta reação emocional quanto possível e apenas me certificar de que era historicamente preciso… Eu realmente li um artigo sobre como [os capuzes e vestes] são feitos, e do que eles são feitos. ”Para o ex-KKK Grand Wizard, David Duke, interpretado por Topher Grace, a figurinista também consultou fotos de arquivo. "Eu notei que David Duke usava gravatas grossas com listras", diz ela. Então, ela o colocou exatamente com esse figurino: gravatas grossas com listras.
Através do Instagram foi possível entrar em contato com a figurinista e perguntar diretamente para ela sobre a produção de figurino e ter informações que não foram possíveis de achar em entrevistas, como por exemplo, quanto tempo ela teve de pré-produção e pasmem, ela só teve 1 mês e meio para preparar o figurino, mas contou com uma equipe de 8 pessoas entre assistentes e camareiras. Ela contou também que não teve nenhum problema com os atores e nem com o diretor, todos aceitaram as propostas de figurino feitas por ela. Isso é muito bom quando acontece, diretor, diretor de arte e atores acreditarem no trabalho da figurinista e não ficar dando pitaco.
O filme é muito bom mesmo, quem tiver a oportunidade de assistir vale a pena. E ele deve ter indicações ao Oscar de 2019, com certeza, porque tema político é sempre bem vindo na premiação, agora resta saber em quais categorias ele concorrerá. Genial essa ideia de filmes que denunciam a discriminação contra os negros, né? Spike Lee conseguiu abalar o público com mais uma produção que sai do padrão Hollywood.
Já falamos de dois acontecimentos sobre questões raciais, mas se você lembrou de mais algum que te chocou, conta pra gente nos comentários.
O filme está disponível na Netflix.
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