Ao olhar para os detalhes da roupa, dá pra ver traços que imitam veias e a figurinista combinou com triângulos, linhas e pontilhados. “No design você pode ver algumas veias de que circundam o traje e eu coloquei um pequeno triângulo entre o trabalho de linha. Eu chamo de padrão Okavango. A estampa de Okavango, em combinação com as veias, ajuda a peça a se parecer com as estampas que você vê em tantos padrões africanos e tecidos estampados”, conta Ruth E. Carter.
O ator Chadwick Boseman usa uma outra roupa cinza por baixo do figurino, para dar a impressão de que você pode ver o vibranium (metal fictício de Wakanda) brilhando. Carter teve essa ideia depois de reparar que usaram essa técnica no Homem de Aço (dirigido por Zack Snyder), ela conta que parecia que os músculos do personagem eram feitos de aço justamente pelo cinza que ele usa como primeira pele.
Por ele ser de uma família real, a figurinista queria que ele usasse roupas únicas com a cara da realeza. O bordado de sua roupa real foi inspirado em estampas nigerianas. Quando o personagem vai para o plano astral ele também usa uma túnica branca com bordados. A figurinista conta que todos os bordados foram inspirados por mais de uma cultura do mundo e que uma pessoa do Paquistão já olhou para essa túnica e disse que os bordados se parecem com o que eles usam em seu país.
A roupa preta com detalhe em roxo tem símbolos da língua Nsibidi (sistema indígena com mais de 500 símbolos) e o bordado foi escolhido com a ajuda do diretor Ryan Coogler.
O chapéu da rainha Ramonda (Angela Bassett), foi inspirado em um tradicional chapéu Zulu usado por mulheres no dia do seu casamento. Gigante e com formato bastante original, o chapéu impressionou a figurinista quando o viu pessoalmente. Ruth quis que a coroa da personagem fosse cilíndrica do mesmo jeito, mas o chapéu original era muito pesado para usar durante as filmagens, então para conseguir o resultado usou uma impressora 3D com a ajuda da designer Julia Körner, que é especialista em wearable plastic, um tipo de plástico que “pode ser vestido”. Fica a dica pra nós figurinistas brasileiros ;)
A manta de W’Kabi (Daniel Kuluuya) foi inspirada nas do povo de Lesotho, também da África do Sul, que são feitas em lã e se chamam mantas Basotho.
"O Lesoto faz essas mantas maravilhosas com estampas surpreendentes que representam o rei deles, representam a colheita", conta a figurinista. “E nós serigrafamos do outro lado com vibranium” - o metal fictício encontrado em Wakanda - “símbolos Adinkra prateados, para que seus cobertores pudessem ser usados como escudos durante as lutas. Nós trabalhamos nesses cobertores do começo ao fim".
No filme, os cobertores também são usados por outros personagens de sua tribo. Entre os símbolos, na manta de W’Kabi encontramos o Boa me, que significa cooperação.
As roupas de Nakia (Lupita Nyong’o) são inspiradas em sua tribo do rio, que por sua vez foi baseada na tribo Suri, da Etiópia. Seu visual é marcado por conchas, miçangas e folhas.
Para a atriz "essa especificidade cultural foi muito, muito útil", disse Nyong'o. “Eu olhei para as imagens dessas pessoas e seu modo particular de vida. É outra camada de desenvolvimento de personagens”. Viu a importância do figurino para o ator encontrar o personagem?
A figurinista revela ter sido difícil pensar em suas roupas casuais, pois a personagem luta e também é espiã. Nyong'o disse: "Houve dias em que, no último minuto, ainda não sabíamos o que eu iria vestir". Mas Carter nunca entrou em pânico, ela disse com admiração. "Ela é tão relaxada, de uma maneira que é apenas fascinante."
Na cena em que Nakia e T’Challa estão no cassino, ela veste um vestido verde com fendas laterais, feito com um tecido produzido e estampado pela equipe, que a permitia se movimentar e lutar, segundo a figurinista foi o seu momento "Bond girl". Esse vestido deve ser olhado com atenção porque foi um grande trabalho de equipe, eles usaram nele uma impressora 3D e pintura a mão. Sua inspiração foi a tribo Surma, também da Etiópia e Carter diz: “Há muitos livros de história com fotos de crianças Surma que têm flores e gravetos que enfeitam seus corpos. Essa foi a principal inspiração por trás do traje tradicional de Nakia - ela também precisava parecer que era uma guerreira, então fizemos uma peça que transpassa seu peito".
A estampa desse vestido foi inspirada na estampa do Kente (tipo de tecido do povo Ashanti e Ewe no Gana) e feito no mesmo tecido do traje do Pantera Negra. O tecido era preto e eles pintaram para ter um efeito ombré (degradê), a tinta também tem tons metálicos e quando a personagem anda dá o efeito de que o vestido fica iluminado em partes diferentes.
Obs: T'challa também usa um cachecol nesse mesmo estilo de estampa Kente.
O personagem Killmonger (Michael B. Jordan) foi agraciado com duas fortes referências para poder contar sua história.
Primeiro é a máscara similar com a de tribos africanas, como a máscara masculina Mgbedike do povo Igbo da Nigéria. Ao visitar um museu fictício em Londres (na verdade, as cenas foram gravadas no Alto Museu de Arte em Atlanta) com Ulysses Klaue ele olha as máscaras. Uma em especial o atrai e ele acaba roubando. A máscara é uma referência ao povo Igbo (localizado na Nigéria) e se chama Mgbedike. Segundo o Instituto de Arte de Chicago, o significado é “hora dos corajosos”. As máscaras são usadas em rituais e são grandes com traços masculinos para contrastar com as dançarinas mulheres. Os chineses não perderam tempo e já tem a venda no Aliexpress uma cópia da máscara.
Killmonger é o antagonista do filme, seu passado o levou a ser vingativo: Ulysses Klaue incentivou seu pai a trabalhar com inimigos estrangeiros, mas enquanto Klaue fugiu, o pai de Killmonger morreu e sua família foi exilada de Wakanda pelo rei. Ele sempre quis vingança e ter o poder de dominar a nação, tanto é que quando toma a erva, ele encontra seu pai que divide esse sentimento de ódio.
A segunda referência são as cicatrizes que representam a morte de suas vítimas (incluindo a de seus irmãos). Todas as mortes só contribuíram para sua personalidade ficar ainda mais obscura. Chamadas de escarificações, essas marcas são tradições africanas e podem ser símbolo de status social e marcam rituais de passagem, como o ritual de passagem para a vida adulta dos Homens-Crocodilos da tribo Kaningara de Papua, na Nova Guiné.
As Dora Milaje (representadas por Danai Gurira), guerreiras da guarda real, usam roupas em vermelho e dourado, trabalhadas com miçangas na parte frontal, como as tradicionais usadas pelas tribos Massai e Turkana. Os detalhes em couro que cruzam o corpete foram feitos por artesãos na África do Sul para que parecessem costurados à mão. E os colares dourados das personagens são tradicionalmente usados mulheres da tribo Ndebele, da África do Sul.
“Elas tinham que ser especial. O uniforme delas tinha que parecer com algo que você passa para sua filha. Você treina sua filha para ser uma Dora Milaje e dá seu uniforme a ela”, disse Carter. Nos quadrinhos elas usam roupas de outras cores, mas a vermelha foi escolhida pelo diretor Coogler, então a figurinista se baseou nos vermelhos usados pela África, como da tribo Massai (localizada nas regiões do Quênia e da Tanzânia).
Outra tribo importante para o visual dessas personagens (e de outros) foi a Himba (localizada no norte da Namíbia), de quem eles pegaram uma pasta vermelha. Essa pasta chamada de Otjize é feita com manteiga, gordura, ocre vermelho (tipo de argila) e, às vezes, são perfumadas com resina aromática. As mulheres da tribo Himba usam na pele e no cabelo para se diferenciar dos homens, para se proteger do sol e dos insetos. Outro significado é que unindo a cor vermelha da terra e do sangue, simboliza a vida. Dessa tribo também foi tirada a ideia do cabelo de outras personagens, que usaram dreadlocks parecidos. A única diferença é que o cabelo das mulheres da tribo é enrolado com a própria mistura de ocre.
O colar de anéis que as Dora Milaje usam é inspirado nos colares Indzila da tribo Ndebele (localizada no Zimbábue e na África do Sul). As mulheres da tribo usam esses anéis no pescoço, nos braços e nas pernas depois do casamento para não fugir do marido ou olhar para o lado. Em outras tribos os colares podem ser símbolo de status social, assim, quanto mais anéis tem, mais rica é. Detalhe: apesar de ser uma tradição diferente de se ver, se os anéis forem retirados, o pescoço pode quebrar ao se movimentar.
Todos os colares que são usados no filme foram feitos à mão. Okoye usa dourado porque ela é a líder, mas todas as outras Dora Milaje usam prata.
O inimigo de Tchalla, M’Baku (interpretado por Winston Duke) é o líder da tribo Jabari, um grupo isolado da sociedade. A figurinista contou ao site Vulture que foi complicado incorporar as origens do personagem, já que nos quadrinhos ele é um homem gorila e que atualmente essa visão seria racista. Para ele não se vestir de gorila, ela preferiu colocar roupas com pêlos cinza em algumas partes, como nos ombros e enrolado nos braços (ainda mais porque o personagem mora em um ambiente frio). Carter usou imãs magnéticos para prender os pêlos nos ombros, para que eles não saíssem do lugar.
A roupa usada pelos personagens da tribo na batalha tem referência no povo Dogon (localizado no Mali), conhecido como Povo das Estrelas por serem os primeiros astrônomos. Como eles vivem na periferia do país, a figurinista compara essa tribo com a Jabari, da qual M’baku faz parte no filme. Ela usou como inspiração a saia de palha dos Dogons e acrescentou conchas para representar riqueza (as conchas eram consideradas como moedas por muitos anos na África).
“M'Baku é o chefe da tribo Jabari, que são lenhadores. Eles acreditam em madeira ao invés de vibranium, então era importante que sua armadura parecesse feita de madeira pesada. Nós também adicionamos esculturas a ele da tribo Dogon”, disse Carter ao site The Mary Sue.
Shuri não é só a irmã de Tchalla, ela também é um gênio da tecnologia e a líder do Grupo de Design de Wakanda. No filme, ela é a responsável pelo traje do Pantera Negra e mostra desde o início que não é uma princesa tradicional, por isso a figurinista quis inovar em suas roupas e “pensar fora da caixa” assim como a personagem.
Carter quis que ela usasse roupas mais jovens com cores vibrantes. Para ela foi difícil pensar na roupa que ela usaria no laboratório, porque ela não imaginaria Shuri usando um jaleco tradicional. Por isso a figurinista olhou os trabalhos dos designers Stella McCartney, Rick Owens e Gareth Pugh. McCartney foi sua maior inspiração por ela ser conhecida por suas ideias de sustentabilidade, e a figurinista adora a ideia dela de reciclar tecidos para criar novos.
Para ela o vestido de Shuri teria que ser simples com uma sobreposição: “Eu decidi que a sobreposição seria um tipo de material que é protetor, legal e divertido. Eu queria que parecesse ser feito de tecido reciclável ou materiais recicláveis. O primeiro vestido que vemos Shuri usa é um vestido branco com uma sobreposição de malha.
As sobreposições parecem proteger o tecido que está por baixo ou criam uma história própria, então a maioria de suas roupas tem essas camadas protetoras”, diz Carter.
Ela ainda conta: “Quando vemos Shuri em sua roupa laranja e branca, o revestimento é um tecido de organza, porque você pode ver através dele. Ela tem um longo zíper na parte de trás e tem a forma de um moletom, então a capa de moletom é parte do que lhe dá proteção. Quando se trata das leggings na roupa laranja, estávamos tentando chegar a uma ideia de moda para Shuri. Acabamos usando um macacão que tinha linhas de costura. Na verdade, encontrei um macacão online e as linhas de costura pareciam com o visual do pantera negra. Era um macacão preto com pernas largas, mas acabamos cortando o macacão para que ele tivesse um design de perna reta. Se você olhar para fotos do filme, a costura branca no macacão é incrível. Eu imitei as linhas no colete laranja que ela usa. O colete é feito de neoprene, que é um tecido que usamos muito quando pensamos em tecidos futurísticos.”
A personagem usa maquiagem tribal no rosto e isso é inspirado em muitas tribos africanas. Cada tribo usa desenhos de acordo com sua cultura e pode haver vários significados como amor, feminilidade, rituais, etc.
“Zuri é nosso xamã e nosso sacerdote. Quando começamos a falar sobre Zuri, percebemos que ele precisava representar todas as pessoas de Wakanda; todas as diferentes tribos. Usamos todas as partes da África para contar a história de Wakanda, então o figurino de Zuri é composta de todos os aspectos da África”, disse Ruth Carter para o site The Mary Sue.
Na roupa de Zuri podemos encontrar influências dos Tuaregues (localizados no Saara) nas mangas com pequenos amuletos de prata e dos Turkanas (espalhados pelo norte da África) no tabardo de miçangas (peça que sobrepõe a roupa, como usada por algumas Dora Milaje).
Ele também usa uma túnica chamada “Agbádá” que é usada por homens na Nigéria e no Benin. A Agbádá é uma roupa de origem Yorùbá, que pode ser cheia de detalhes e bem colorida, usada por reis, sacerdotes e atualmente, pelos cidadãos. Ela tem dois modelos, até os pés ou até o joelho.
O prato de lábio usado pelo líder da Tribo do Rio, que é um dos membros do conselho das tribos de Wakanda, é uma referência a tribo Mursi (localizada no sudoeste da Etiópia). Essa prática era obrigatória para as mulheres, mas hoje em dia já pode ser escolhida por elas. O uso do prato, que pode ser de madeira ou barro, facilita na hora de achar um marido e se elas não usarem um, o preço do dote diminui. E o tamanho do prato influencia no valor do dote, quanto maior o prato, maior o dote do casamento. Elas decoram os pratos com desenhos tribais e, para facilitar, os dentes próximos do prato são arrancados. O prato pode causar problemas na fala e na hora de comer.
Alguns personagens usam lenços que cobrem boa parte do rosto fazendo referência ao povo Tuareg. Eles são nômades da região norte do Saara há mais de mil anos. Na cultura deles, quem se cobre é o homem, enquanto as mulheres podem viver livremente sem o lenço. Eles não tiram o lenço para dormir porque dizem que protege dos maus espíritos, protege do sol e da areia no rosto.
Um aspecto real que foi levado para o filme foi a língua. Durante o filme os personagens falam na língua Xhosa, que era a língua de Nelson Mandela. Como nenhum dos atores principais é da África do Sul, eles tiveram que aprender suas falas e cada um tem um sotaque diferente.
Além de representar as mulheres em posições de poder, a Marvel quis trazer a representação negra tanto com o elenco, quanto com os detalhes da cultura africana, e no geral, o aspecto mais importante disso é a presença do afrofuturismo. O movimento dos anos 1960 abrange os quadrinhos, música, cinema, moda, artes plásticas e as narrativas literárias, resgatando a figura do negro. No caso de Pantera Negra, reúne a estética pelo afrocentrismo e pelos traços do futurismo na narrativa.
A figurinista Ruth E Carter, em entrevista para o site Black Girls Needs disse: “O afrofuturismo agora é futurismo cultural, o que significa que não importa de que cor, que cultura você tem, você pode trazê-lo para o futuro. Você pode pegar sua cultura e pode realmente tornar isso legal, você pode realmente honrá-la e torná-la real e até usá-la como ela é. Acho que reintroduzimos o mundo para abraçar a cultura. E é isso que o afrofuturismo é para mim, é futurismo cultural.”
O filme é uma das apostas para as premiações de cinema em 2019 e já ganhou o coração de grande parte do público, que se sentiu representado e outros que viram o avanço da qualidade dos filmes da franquia.
Agora que o chefe-estrategista da Marvel, Kevin Feige, já confirmou a sequência do filme, esperamos que vocês se sintam empolgados para conhecer o universo de Wakanda e para o lançamento de Pantera Negra 2. Para você que já viu o filme e não reparou nesses detalhes, deu pra perceber a importância do figurino agora que explicamos aqui? E pra você que não assistiu, assista e conte nos comentários os detalhes que você encontrou também.
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