Depois de um tempo escrevendo sobre figurinos mais contemporâneos, dessa vez vamos falar sobre uma produção com figurino de época: The Crown. A série original da Netflix conta a trajetória da Rainha Elizabeth II, que assumiu o trono depois da morte de seu pai, o Rei George VI.

The Crown é a série mais cara da Netflix com o orçamento de 130 milhões de dólares por temporada. Os trajes são super parecidos com os originais e a réplica do Palácio de Buckingham tem o mesmo tamanho da construção original. 

Foi a combinação de figurino, cenário e elenco que resultou em dois Globos de Ouro nas categorias: Melhor Série Dramática e Melhor Atriz em Série Dramática (para Claire Foy).

A história acontece nos anos 40 e 50 na Inglaterra, e para contextualizar, vale lembrar que a Europa estava sendo palco da Segunda Guerra Mundial entre os anos de 1939 à 1945. Durante esse período, a comida e os tecidos eram limitados, por isso as famílias tinham que reformar suas peças e usar fibras sintéticas.

Até mesmo a família real sofria com a limitação de consumo e quando Elizabeth foi se casar (anos depois do fim da guerra) ela pagou os materiais de seu vestido com seus cupons de racionamento. Mais uma curiosidade é que ela foi a única pessoa da família real que já fez parte das Forças Armadas. Na Segunda Guerra Mundial, ela fez parte do Serviço Feminino de Auxílio Territorial do exército britânico, dirigiu um caminhão militar e fazia a manutenção do veículo. 

Na primeira temporada o figurino foi feito por Michele Clapton, conhecida por Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo (2018, estrelando Meryl Streep), Antes de Dormir (2014, com Nicole Kidman) e a série Game of Thrones (2011-2019 - se você ainda não viu, aqui no blog já tem um post) estão na lista de seus trabalhos. A figurinista ainda ganhou um Bafta em 2017 pela série.

A pesquisa de Michele reuniu revistas, anúncios, fotos,vídeos e a moda da época como os designers Christian Dior, Hardy Amies e Norman Hartnell, que desenhou o vestido do casamento real. 

No total foram de 300 a 350 figurinos principais, e sete mil extras entre figurantes e personagens secundários. Durante os 10 episódios, o público vê o estilo de Elizabeth evoluir, já que ela tem que assumir uma posição bem séria. 

A peça mais chamativa e mais cara foi o vestido de seda para o casamento com o príncipe Philip (interpretado por Matt Smith). Na vida real ele foi feito em seis meses pelo costureiro da família real, Norman Hartnell, e a peça foi decorada com 10 mil pérolas importadas dos Estados Unidos e foram bordadas com cristais. 

O original até parece ter sido o mais incrível, até você conhecer o replicado na série. A produção foi tão intensa que a equipe de figurino teve ajuda de seis bordadeiras e estudantes de moda que trabalharam 10 horas por dia durante seis semanas. O vestido foi tão caro que custou em torno de 120 mil reais. 

Durante essa fase agitada para a peça de casamento, a equipe chegou a contar com 100 funcionários. “Para ter qualquer credibilidade da nossa interpretação dos momentos íntimos e privados, tivemos que fazer com perfeição os momentos públicos, pois eles já foram muito documentados”, a figurinista comenta à Elle. 

Claire Foy, a atriz que faz a Rainha Elizabeth II, disse que o vestido era muito pesado e era uma confusão para vesti-lo do jeito certo e foi mais complicado ainda porque a cena levou cinco dias para ser gravada. “Para essa jovem vestir tudo isso e ainda ter a compostura para entrar na abadia cheia de chefes de estado, tem que ter muita presença de espírito. Quem mais poderia ter feito isso e por tanto tempo sem nunca responder ou reclamar?”, completa.

Outras partes do figurino que chamam a atenção são o vestido azul que a rainha usou em 1956 no Festival de Edimburgo e o vestido emprestado pela Swarovski para sua coroação. A marca tinha feito a réplica para uma exposição e cedeu para a série.

Mas a vida da rainha não é só luxo e a personagem também tem seus momentos mais à vontade e usa suas peças favoritas: capa de chuva, lenço na cabeça e galocha. No filme A Rainha, a atriz Helen Mirren também usa essa combinação para ilustrar que no mundo real Elizabeth gosta mesmo de sentir confortável. 

No ambiente político a presença masculina é muito forte e Elizabeth teria que se manter centrada e sem demonstrar seu lado emocional, por isso a figurinista deixou os tons mais frios e um figurino mais sério. “Decidimos vesti-la em um tipo de uniforme, o equivalente ao terno masculino. Funcionava como uma armadura e ela podia se esconder por trás de vestidos extremamente formais. Até os botões são cobertos”, conta Michele. 

A princesa Margaret (Vanessa Kirby), irmã de Elizabeth é o oposto por não ter a mesma responsabilidade e o peso de ser rainha. Ela vive como se não houvesse amanhã, é divertida, livre e gosta se aventurar. Sua personalidade mais leve aparece em seus vestidos tomara que caia e na paleta de cores claras.

Na segunda temporada, a figurinista britânica Jane Petrie assume a responsabilidade de mostrar a nova fase das personagens. A vencedora do Emmy em 2018 pela segunda temporada de The Crown, já trabalhou no seriado Black Mirror e no filme As Sufragistas (fala sobre a luta pelo voto feminino na Inglaterra e a forte opressão da polícia contra essa primeira onda do feminismo).  

pré-produção levou cerca 20 semanas e foram 7 e 8 meses de gravação com mais de 500 figurinos no total. A cena com mais figurinos foi a funeral de Cecile, irmã do Príncipe Philip, onde os 500 figurantes estavam vestidos com uniforme do exército e ainda mais 100 civis.  

pesquisa de Jane reuniu sites, revistas, documentários e notícias. A equipe de figurino fez quase todas as peças, por exceção de alguns vestidos que a Rainha usou. Os sapatos, chapéus e acessórios eram originais da época porque por mais que uma peça seja feita para lembrar um período, não é a mesma coisa do que o original. Por isso a figurinista disse que foi uma dor de cabeça encontrar os sapatos em bom estado, nas quantidades certas e no tamanho do elenco feminino, porque antigamente as mulheres tinham pés menores. 

A história se passa entre os anos de 1956 e 1964, quando a Rainha Elizabeth engravida dos dois filhos (Charles e Edward). É o momento em que suas responsabilidades aumentam e a Rainha vai aos poucos deixando de usar suas roupas básicas, como o cardigã, e começa a usar roupas mais sérias para reuniões junto ao marido. 

A intenção da figurinista era mostrar que enquanto a irmã Margaret estava conhecendo o mundo fora da vida real, Elizabeth estava cada vez mais dedicada à monarquia e se afastando do mundo fora do palácio.

Margaret sempre foi mais aventureira e nessa temporada a figurinista quis que ela continuasse com seu senso de moda, mas numa versão mais boêmia como reflexo de seu tédio com a vida de princesa e cada vez querendo ficar mais tempo com noivo Tony. 

O casamento dos dois não era bem visto porque a igreja não aprovava segundos casamentos entre um divorciado e uma pessoal real, enquanto o ex companheiro ainda estiver vivo. A escolha dela foi o amor e com isso ela abdicou do seu direito ao trono, passando a responsabilidade de ser rainha para a irmã mais nova.  

A figurinista escolheu tecidos que mostrassem a personagem mais conectada e pertencente ao mundo “normal” do que a realeza, com um toque mais urbano. 

Um dos truques do figurino foi na cena da sessão fotográfica do aniversário de 29 anos da princesa. Na vida real a foto ficou famosa por ter sido tirada sem roupa, mas na série eles fizeram diferente, usando um vestido de um ombro só, que pudesse ser abaixado para deixar o colo a mostra e dar a impressão de nudez. 

Assim como na primeira temporada, outro casamento estava chegando e a tarefa foi ainda maior. A figurinista disse que ela leu o roteiro e tinha uma fotografia da família real para se inspirar. A dificuldade era fazer a roupa de todos os membros, não só a noiva, e tudo tinha que ficar super parecido. 

“Quando você olha para as fotos do vestido, você vê como as camadas de organza se comportam, elas se mantêm no formato de um jeito leve, arredondado, como se fosse uma nuvem. Foi difícil achar a quantidade certa de tecido para ficar no formato certo. Você também pode ver os braços dela através da manga, mas não é totalmente transparente, tem um pouco de cor. O desafio foi apenas de encontrar o tecido certo”, comenta a figurinista sobre o vestido de Margaret. 

Um dos casacos de Margaret era pra ser preto com texturas e já estava feito, mas alguns dias antes da gravação a figurinista foi na loja de departamento Liberty, em Londres, e encontrou uma cortina com tecido estampado que ela gostou bem mais. O tecido tem estampa de pinceladas e foi usado para fazer um novo casaco para a personagem, usado em várias cenas, como visto na imagem abaixo quando ela vai em uma galeria de arte.

No episódio oito, a Rainha Elizabeth se encontra com o presidente Kennedy e sua esposa Jackie. A figurinista fez uma releitura dos vestidos usados por ambas e deixou Jackie em uma versão tomara-que-caia e com Elizabeth usou alças de cores diferentes. 

O figurino tem outras peças super parecidas com as originais e depois desse post espero que você tenha ficado ainda mais curioso para assistir a série. Os novos episódios estão chegando em novembro na Netflix e a figurinista Jane Petrie vai trazer um trabalho impecável novamente.

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