O que dizer de uma série com um figurino que não se repete? E com uma ambientação perfeita dos anos 50?

Esses são os elogios básicos que qualquer pessoa consegue reparar só de assistir os primeiros episódios e que deixam a série melhor ainda.  The Marvelous Mrs. Maisel começou a ser exibida em 2017 pela Amazon Prime e já ganhou muitos fãs por ser aquela série divertida que você perde a noção do tempo e quando vê, já acabou todos os episódios.

Dirigida por Amy Sherman-Palladino, o roteiro conta a história de Miriam Maisel, apelidada como Midge, uma mãe e dona de casa que faz de tudo pelo marido Joel, mas que no fim ele acaba indo embora e deixando a família para trás.

Essa é a parte que você pensa que ela ia entrar numa fossa e ficar triste, só que a personagem é tão engraçada que ela fica bêbada e vai até o bar (onde o Joel fazia stand up) e desabafa. Sua situação foi tão espontânea que ela faz stand up sem nem perceber e agrada a plateia. É aí que a série engata com uma nova Midge, que fala o que pensa e garante boas risadas para o público.   O elenco conta com a participação de Rachel Brosnahan (Midge - de House of Cards), Alex Borstein (Susie - de Uma Família da Pesada), Tony Shalhoub (Abe - de Monk), Michael Zegen (Joel - de The Walking Dead), Miriam Hinkle (Rose - de Dois Homens e Meio) e Kevin Pollak (Moishe - de Os Suspeitos). 

Para te convencer ainda mais sobre a qualidade do seriado, ele ganhou 8 Emmys na premiação de 2018, incluindo a estatueta de melhor série de comédia, e esse ano já ganhou por melhor figurino de época em TV no Costume Designer Guild Awards

 A responsável por esse trabalho impecável é Donna Zakowska, figurinista norte-americana que já trabalhou como assistente de figurino nos filmes de Woody Allen (Crimes e Pecados - 1989, Contos de Nova York - 1990, Simplesmente Alice - 1990, Neblina e Sombras - 1991) e vestiu vários famosos como Angelina Jolie e Antonio Banderas. Mesmo vestindo celebridades, seu trabalho não é tão conhecido em outros longas e ela começou a ser reconhecida com o Emmy pela série John Adams da HBO em 2008. Por isso devemos lembrar que apesar de um figurinista ter poucos trabalhos conhecidos, ele pode sim fazer trabalhos muito bons e ser um ótimo profissional. 

Um ponto importante de se falar é que nessa época (anos 50) as mulheres tinham que estar impecáveis para seus maridos e se fossem solteiras, mais ainda para conquistar um bom partido. As mulheres esperavam os maridos dormirem para tirar a maquiagem e também acordavam mais cedo para se arrumar, só para não ficar ao natural.   

 O figurino é muito importante nessa parte porque para quem pensa que na hora de dormir é só colocar qualquer roupa, na série é o contrário. Midge usa camisolas trabalhadas em renda e até sapatos com pompom para compor a roupa de dormir. Para a figurinista Zakowksa, essa parte é a chave de entender a evolução da personagem: "Por muito tempo o robe (como se fosse um roupão de banho, mas em tecidos leves) dava essa sensação de estilo mais romântico, iluminado e bem feminino, mas praticamente já não é mais usado. A série é sobre a reviravolta da vida perfeita de dona de casa que tem que lidar com a realidade, mas nessa época as mulheres não usavam camisetas para dormir, então a roupa de dormir dava a impressão de que tudo estava bem e elas eram felizes apesar de tudo".

A figurinista conta ao Deadline que gostou do roteiro por ser ambientado em Nova York durante o ano de 1958 e por ter como personagem principal uma mulher que está em transição da vida doméstica para o início de uma aventura, o que também influencia nas roupas que ela usaria. 

 Donna Zakowska teve uma equipe de 20 pessoas e ela disse ao The Daily Beast que vestiu quase 5 mil pessoas na primeira temporada de The Marvelous Mrs Maisel.  90% do figurino da série foi feita pela equipe e a maioria dos personagens principais têm entre 70 e 75% das roupas feitas do zero e o restante veio de lojas vintages e lojas de locação. E segundo a figurinista, nessa época (1950) as pessoas mais ricas preferiam ter roupas sob medida e compravam os próprios tecidos, por isso ela achou tão importante também fazer as peças de Midge.

 Ela fez sua pesquisa em livros e revistas, principalmente a Vogue Francesa (edições de 1957 a 1960), procurando informações para ver como era o bairro West Village (onde a série é ambientada) e olhou as semelhanças da cultura europeia com a americana (porque o bairro tinha uma aparência europeia, já que os anos da série são influenciados pela criação das grifes Dior e Balenciaga, e pelo pós segunda guerra mundial (período de conflitos entre os anos de 1939 a 1945, envolvendo países como EUA e Alemanha, divididos em duas alianças militares- Eixo e Aliados). Além disso, ela misturou os elementos que encontrou nas revistas com as fotografias de Saul Leiter, que têm cores chamativas, bem trabalhadas nas roupas e também usa transparência. 

 A paleta de cores do figurino também foi relevante porque ela usou tons vibrantes como viu em outras fotografias, não só as de Saul, e disse que as cores são os ritmos musicais do roteiro: “A série não é um musical, mas poderia ser, porque a noção que você tem ao escolher as cores acaba influenciando o jeito do programa. Eu tive que criar os tons das roupas para poder controlar tudo como eu queria, porque eu nunca acharia o tom de pink ou o azul do jeito que Midge usa”. 

 Midge Maisel (Rachel Brosnahan) é o tipo de personagem que tem controle de si e é muito detalhista, para essa personagem a figurinista teve que seguir uma exigência da diretora: não deixar que atriz ficasse com aparência depressiva, porque não importa o que acontece em sua vida, ela consegue segurar as rédeas.

 A peça mais chamativa da série, que já era comentada antes do lançamento, é o casaco rosa que ela usa no açougue (uma das primeiras cenas). "Tem algo nessa cor que me faz pensar que é ali (na cena) é onde ela começa a mostrar quem é. Eu me esforcei bastante para encontrar o tecido para o casaco e o rosa tem uma profundidade que ficou bonito tanto nas cenas internas quanto externas”, disse a figurinista. O site EW revelou que foram quase 200 amostras de cores para encontrar esse tom de rosa e que a figurinista recebe várias mensagens nas redes sociais de pessoas interessadas em comprar o tecido. 

Daí você assiste a série, vê esse casaco e não tinha a menor noção de que pra chegar nele, foram analisadas 200 amostras de tons de rosa! Isso é fazer figurino.

No segundo episódio da primeira temporada, Midge aprendeu a dirigir porque queria muito usar luvas rosas e tudo que envolve a personagem começa com um acessório, que é sua característica única. As mulheres gostavam de combinar os sapatos com as bolsas e deixar um look harmônico e com Midge não era diferente. 

 Seu vestido de casamento foi inspirado no da Givenchy que Audrey Hepburn usa no filme Funny Face (1957 - dirigido por Stanley Donen) porque a figurinista queria que fosse simples, elegante e que tivesse uma luz própria. Além de Audrey, ela olhou o trabalho da Dior e do estilista francês Jacques Fath porque eles conseguiam mostrar o espírito dos anos de 1950. 

 Quando ela vai apoiar Joel em sua noite de stand up seu look muda, ela usa um conjunto de calça capri (que não chega até a canela) e blusa preta, e o que traz cor é o lenço colorido. A figurinista disse que o look boêmio teve inspiração no próprio bairro da série: "Havia muitos traços da cultura européia em Nova Iorque nessa época, por isso quando você está trabalhando com o estilo de Nova Iorque nos anos de 1950 é diferente do que você faria com Indiana ou a costa oeste nesses anos. Tinha um movimento cultural, intelectual e artístico muito forte que fez o momento unir política, arte e moda no centro da cidade".

 Na cena do jantar de reconciliação com Joel, Midge usa um vestido vermelho para impressioná-lo e seduzi-lo ainda do jeito dela, mas para a figurinista o vestido passa a ideia de independência, como se a personagem quisesse dizer "Eu sei que você me deixou, eu não ligo! Eu estou aqui e sou forte!". No terceiro episódio a linha do tempo é desconstruída e Midge volta ao seu estilo com um terninho rosa para mostrar que ela continua com a mesma personalidade. 

 No restante da temporada você vê o estilo de Midge mudando, como ao voltar para casa dos pais e usar um look mais casual (continuando bem colorido) com calça rosa e camisa listrada dando um ar mais jovem por estar em sua vida antiga. 

A figurinista disse que o espírito da personagem mesmo mudando um pouco, continua com a mesma essência da verdadeira Midge, como nas cenas que ela usa o uniforme de trabalho cinza e os acessórios estampados dão vida ao look. E ela comenta que o figurino dela se divide em roupas de usar no bairro de casa e roupas de usar no centro (com o visual mais despojado): “A diferença na moda de Nova York em 1950 era entre a área residencial e o centro. Eu tive que fazer dois guarda-roupas e mesmo assim ela nunca ficaria toda boêmia. E eu lembro de dizer para minha equipe que ela nunca usaria boinas.”   

 

A empresária de Midge e funcionária do Gaslight Café, onde acontecem os stand ups, Susie Myerson (Alex Borstein) contrasta com a amiga toda colorida. Ela usa sueters, calças, suspensórios, jaquetas jeans, boinas e um colar que carrega as chaves do Gaslight e isso foi ideia da diretora. A inspiração veio das fotos originais do lugar, que mostravam várias pessoas com aquele estilo pelo bairro e no café. "Ela tinha que ter um jeito mais durão que ninguém precisasse julgar. A jaqueta de couro no estilo James Dean fez sucesso naquele período e parecia uma boa escolha". 

Para a figurinista, o figurino de Susie são importantes para dar contraste e tensão entre as duas personagens que são opostas: "A roupa tem que criar o drama para cada personagem e definir as relações".  

Cada análise de figurino tem um aprendizado diferente sobre a importância das roupas para contar a história.

 Na segunda temporada, a figurinista pensou na evolução de cada personagem com o passar dos episódios e disse que antes Midge tinha a imagem de mãe perfeita e com sua liberdade ela começa a temporada com uma vida mais leve, viajando e estudando. A paleta fica mais iluminada e o visual parisiense começa a ser visto em estampas, roupas curtas e casuais.   

  A figurinista se inspirou na atriz Grace Kelly (pela elegância e por ela ser referência de estilo nos anos 50) e no filme francês Duas Garotas Românticas (dirigido por Jacques Demy) que mostra duas irmãs que cantam e dançam em busca do sonho de ir a Paris. A paleta de cores do filme é referência para Zakowska que tem a oportunidade usar muito amarelo e rosa pink e tirar Midge de sua zona de conforto. 

 A pré-produção da segunda temporada foi de 3 meses (12 semanas) e Donna Zakowska contou com uma equipe de 25 profissionais entre assistentes de figurino, costureiras e alfaiates. A figurinista desenhou 85% dos chapéus, comprou bolsas e sapatos vintages online e contratou uma francesa para fazer as roupas íntimas da época para os personagens. Em entrevista ao site E! ela disse que foram cerca de 5000 figurinos, em que mais de 1000 foram para figurantes e 400 para os principais nas cenas de Paris.  

 Para a cena inicial da viagem, a figurinista teve a ideia de Midge olhando revistas para saber o que ela poderia usar no aeroporto, porque a personagem nunca tinha andado de avião. O resultado foi um look inspirado em aeromoças e com tons de rosa para lembrar seu estilo da primeira temporada (que nos episódios vai mudando). 

 Aproveitando suas férias em Catskills, lugar onde as famílias judaicas passam o tempo livre no meio do ano, Midge também começa a se aventurar com estampas, como o vestido floral, e usa roupas que ninguém imaginaria ela usando. Seu look no passeio de barco (vestido aberto com shorts verde) foi inspirado nas roupas da designer Claire McCardell e marca o início das roupas mais esportivas femininas - Detalhe: a própria figurinista desenhou borboletas do chapéu. 

 Além disso, a cena da competição de biquíni mostra que Midge já está diferente e mais rebelde, porque ela não poderia participar por não estar casada e muito menos com a roupa de banho que ela escolheu. 

 A roupa de apresentações também mudou, ela começou com calças capris e camisetas de gola, e trocou por vestidos pretos como parte da nova identidade que ela adotou no stand up. A figurinista disse que tentou vários modelos de vestido para ter diferentes opções de silhueta e um dos escolhidos foi um no formato balonê (saia mais solta). 

 Não foi só Midge que mudou, sua mãe Rose também teve uma repaginada e sua personalidade contida virou algo bem jovem e vibrante com tons de roxo e vermelho. A atriz Marin Hinkle, que interpreta a personagem disse em entrevista que o figurino é o que guia sua atuação e quando coloca as roupas, 90% do trabalho já está feito. Bom para lembrar que apesar da boa atuação, o figurino é o que dá vida junto ao cenário no roteiro. 

 O pai Abe (Tony Shalhoub) resistiu às mudanças, mas quando frequentou cafeterias na temporada em Paris (onde conversava sobre filosofia com as pessoas que conheceu por lá) passou a usar jaqueta de couro e boina. A figurinista contou ao site Vulture que foi divertido trocar o visual dele e ela só deu o pontapé para ele ter uma crise de identidade, e se questionar sobre sua vida. 

 Donna Zakowska disse que a segunda temporada é um momento de transição e que na terceira ela vai se aprofundar em cada personagem com novas personalidades.

Os próximos episódios vão demorar para serem lançados, já que The Marvelous Mrs. Maisel é anual, mas você pode ir acompanhando a série pela Amazon Prime Video.

Aproveita e conta pra gente nos comentários qual é sua peça favorita, aquela que você gostaria que fizesse parte da moda atual. 

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